quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Preso no engarrafamento? Pratique o desapego! (artigo)

Quem mora em cidade grande provavelmente já deve ter se irritado com um problema urbano: o engarrafamento. Como moradora da Barra, infelizmente já fui vítima desse mal moderno. Mas isso é coisa do passado. A partir de agora, vou praticar o desapego.

Desapego da raiva que sinto de quem não aguenta esperar um segundo sequer enquanto o carro da frente dá a partida, logo após o sinal abrir. Desapego da angústia que cultivo ao constatar que só eu joguei o carro pro lado para dar passagem a uma ambulância. Será que eles não percebem que o quanto antes deixarem a ambulância passar, mais rápido ela chegará ao local do acidente que está atravancando o trânsito? E, com isso, o imbróglio se resolve mais ligeiro e seus carros finalmente conseguem sair do lugar?

Preciso me libertar ainda da incredulidade com que encaro o escândalo que o buzinaço alheio faz quando eu, respeitando a lei, deixo livre o cruzamento. Eles não sabem que o desrespeito é uma via de mão dupla? Não que eles tenham que pagar com encargos financeiros, por que aqui não se pune ninguém. A questão é que um erro individual estimula erros do colega ao lado. E também aumenta a sensação coletiva de antigos corretos, que pensam: "todo mundo faz, por que serei o único pateta a não fazer?" Ou: "Já que tive que ficar parado quando o sinal estava aberto pra mim, agora o outro inocente que espere também, ora!" E esses pensamentos se transformam em atitudes prejudiciais. Assim, uma simples raivinha momentânea vai repercutir logo logo, pois ao deixar outro infeliz empacado no cruzamento, você, mesmo sem querer, vai estimular um terceiro (a sua vítima) a fazer o mesmo que você. Assim, um vai influenciado e contagiando o outro e um dia, senão daqui a dois minutos, esse ciclo se fecha com você sendo a vítima! E lá estará você empacado no cruzamento porque o outro não respeitou a mesma regra que você desprezou.

E os desrespeitos sobre rodas não param por aí. O que são aqueles motoristas histéricos que cismam de buzinar insistentemente mesmo quando vêem que à sua frente está tudo parado? Parecem até criancinhas de fralda se esgoelando de chorar ao ver que o leitinho da mamãe não está em sua boca. Como se a progenitora estivesse negando o alimento só de sacanagem, coitadinhos! Eles não vêem que fazer barulho, nesse caso, só acirra ainda mais os ânimos dos milhares de outros motoristas que estão sofrendo tanto quanto eles, mas, por estarem poucos metros à frente, sabem o que está travando o trânsito? Sabem que não adianta berrar, digo, buzinar?

Noutro dia, os histéricos atrás de mim buzinaram tanto que me deu uma baita vontade de ter um mega-fone, pra avisar aos bebês-chorões: “Mesmo com o sinal aberto, não saímos do lugar porque o guarda de trânsito ordenou que não avançássemos, seus idiotas. Meu ouvido não é pinico!”. E o policial tomou essa atitude provavelmente porque o fluxo na outra rua era mais complicado e era necessária essa intervenção para que o trânsito fluísse melhor como um todo. Mas isso não convence os bebês-chorões, é claro. Eles desconhecem a existência do outro. O que importa é que alguém os impediu de engatinhar.

Não importa a eles que um pedestre, no meio da chuva, seja encharcado de lama quando eles passam com seus possantes pela poça, cheios de pressa. Não importa que o acostamento seja feito para uma emergência. Se tudo está lento, eles têm que burlar as leis para avançar mais alguns medíocres metros, ora bolas! Afinal, eles são gente pequena. Todo pequeno passo pra eles é um avanço e tanto, não é verdade? Sabe aquela noção que temos, quando crianças, de que uma pracinha com dois brinquedos é um enorme parque de diversões? Aquela impressão que temos de que o nosso micro mundinho é do tamanho do planeta Terra? É isso. Esses bebezões histéricos não cresceram, e continuam encarando o próprio quarto, o próprio carro e ainda o próprio umbigo cheio de vontades como a coisa mais importante do mundo. Coitados!

Acho que agora posso finalmente afirmar que já me desapeguei da raiva por essa gente. O que tenho é pena. Afinal, enquanto eles desperdiçam suas energias chorando com suas buzinas, deu tempo de eu escrever esse texto até a metade, num caderno, dentro do carro. Me deu até vontade de que ficar engarrafada mais um pouquinho...

E você, como reage no trânsito? Deixe o seu comentário clicando aqui embaixo. A autora aqui agradece! Por esses comentários no blog tenho conseguido conhecer novas pessoas e diminuir a saudade de muita gente querida. :)

5 comentários:

Leo Lagden disse...

Você está coberta de razão. Mas o problema é a falta de educação do povo brasileiro (Povo não, como diria Lima Barreto, o Brasil não tem povo, tem público).
O engarrafamento das grandes cidades são problemas de difícil solução e temos que ter uma dose de civilidade e paciência, pois esse é o preço que se paga por vivermos na pós-modernidade.
Nada como um bom heavy metal para aturarmos o trânsito (além do meu bloco de anotações, para fazer como você e escrever nos intermináveis engarrafamentos).
Bjs

Babi disse...

Como carioca detesto falar mal do Rio, mas infelizmente tenbo que admitir uma incrível descoberta. Morando há mais de um ano em São Paulo, que em matéria de trânsito é insuperável, descobri que aqui os motoristas aqui são muito mais educados do que os motoristas cariocas. Fechar cruzamento, por exemplo, é uma raridade.
É muito triste esta comparação, pq apesar do trânsito, no Rio você ainda aprecia a maravilhosa paisagem (e qdo vc tem só cimento em volta, dá saudade).
Bjs

Anônimo disse...

Paranóia de cidade grande. Não acho que é falta de educação não. Tá mais pra stress da vida moderna, como chegar atrasado a compromissos (inclusive trabalho), perder tempo de lazer etc. Moro em Teresópolis e aqui o trânsito (?) é civilizadíssimo! Por quê? Tudo é muito perto e ninguém tem pressa...

Mariana Valle disse...

Querido Anônimo,

Há várias cidades grandes (igualmente paranóicas) em cujas ruas circulam motoristas educados. A paranóia de cidade grande causando comportamentos ruins é outro assunto que me intriga e sobre o qual tenho vontade de falar noutro dia, mas, apesar de concordar que a pressa e o medo de perder o trabalho, perder a ginástica, perder a hora em que o filho estará acordado em casa, enfim, a sensação de que se não tem tempo pra nada influencia sim essa onda de comportamentos errados no trânsito. O grande problema é que isso não justifica a falta de educação. Regras foram criadas justamente pra isso: para vivermos bem em sociedade, para arrumarmos um equilíbrio entre os inúmeros e totalmente diferentes anseios, desejos e necessidades dos seres humanos. Essas vontades não se ajeitam sozinha. Cada um quer uma coisa diferente do outro e, as satisfações de todos esses desejos não são naturais. São conflitantes. Se eu faço o que eu quero, que é chegar mais cedo na próxima rua, deixando o cruzamento fechado, por exemplo, eu estou interrompendo a satisfação do desejo do outro, que é chegar justamente na rua seguinte mais rápido também. Então por isso que as regras foram criadas. Se não houver um respeito mínimo, vira um caos. E aí, deixa de ser comportamento de cidade grande: vira uma verdadeira selva!

Mariana Valle disse...

Sabia! Foi o meu pai mesmo, o anônimo ali do comentário acima. Posto aqui o comentário que ele me mandou por e-mail, que antecipa aquele papo que eu gostaria de ter no futuro sobre a paranóia da cidade grande. Leiam e verão porque eu tenho tanto orgulho do meu paizão.

Querida escritora,
Quis ser sucinto no meu comentário, mas vamos lá: o ser humano, como qualquer animal, reage ao ambiente externo e hoje ele é amplamente desfavorável com o stress da vida moderna, cheia de violência, desemprêgo, engarrafamento de trânsito, disputas no trabalho, falta de relacionamento com os vizinhos (vide fantasma do 202), alimentando o egocentrismo como preservação da nossa individualidade e nossas necessidades (nosso lado "bicho" prevalece). É o paradigma moderno de PAVLOV, que até então tinha a busca de comida como ponto fundamental da nossa reação de sobrevivência. Quando o ser humano não se sente ameaçado, como nas pequenas cidades, ele reage de uma forma mais gentil e educada, enfim, ele não tem que brigar pela sua sobrevivência!
Beijos,
Anônimo