sábado, 19 de abril de 2008

A mimada e o batalhador (conto)

Mimada, ela vem de um mundo diferente.
Teve tudo de bandeja, inclusive os homens que desejava.
Brincava de seduzir quem lhe era indiferente, só para provar que podia.
Mas depois que tocava o brinquedo, pedia aos pais para comprar outro.
Como ela sempre os convencia, e ganhava novos presentes, a aquisição já não mais a interessava. E ela partia para a próxima batalha. A de conquistar outro alguém.
Ficar sempre com o mesmo homem, como sua mãe? Pra quê?
Para quando ele se enjoar, descartá-la?
Como ela fazia com seus caros brinquedos?
Como o papai fez com mamãe e sua filha, ou seja, ela?
Isso seria o fim.
Mas, na verdade, foi o começo.

Batalhador, ele sempre foi obrigado a conquistar o que tem.
Inclusive o coração dela.
Veio de mansinho, como quem não quer nada, e viu que aquela pretensa doidivana valia a pena o investimento.
Sem falar "eu te amo", "você é linda" e refreando seus desejos carnais, ele galgou um lugar em sua vida.
Quando ela se deu conta, já estava amarrada. E completamente seduzida.
Eles brigaram por muito tempo, porque suas famílias se digladiavam.
Eles representavam tudo o que uma pessoa mimada queria ter: a paciência de lutar pelas mínimas vontades e a garra insana e a persistência de batalhar para ser alguém.
Talvez, por isso, ela tanto reclamava. "Essa gente não descansa nem no carnaval? Vou viajar, se você quiser que venha também". E ele foi.

Ele queria a inocência dela e da mãe. A espontaneidade por vezes ingênua, que não podia ter lugar em seu mundo real.
A leveza da vida despreocupada, que tanto fazia falta em sua casa.
A facilidade, que lhes era nata, de terem tudo o que queriam, por obra e graça do Espírito Santo. Por elas até almejarem um pouco mais do que aquilo, porém não correrem atrás.
E se fazerem de vítimas.
Talvez por isso ele a criticava.
Também queria descansar e enfim receber. Não ter que tanto lutar para ter.

Ela tem o que ele inconscientemente queria.
E vice-versa.
Ele admirava o que ela é, mas que ele não conseguia ser.
E vice-versa.

Hoje em dia, os dois estão juntos e só vêem seus pais em dia de festa.
Mas os mundos dessas duas famílias estão ambos ali, naquele apartamento do casal.
Ela ainda deseja a garra dele. E já aprendeu a não reclamar.
Ele ainda reclama da inércia dela, mas já a ensinou a sair do lugar.

Ambos admiram as famílias um do outro, conhecendo-as de verdade e aprendendo a amá-las. Pelo que elas são. E não pelo que queriam que fossem.
A família dele também não tem mais medo da nora mimada.
E virou amiga dos pais da filha que eles não tiveram.
O batalhador é o filho que os sogros queriam ter.
E os pais do casal se vêem toda semana. Mas não por obrigação.
Enquanto os filhos aprendem a vida e vão juntando suas influências, os pais descansam juntos e jogam cartas, esperando pelos netinhos.

Agora ela sabe. Eles virão.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

O que os livros fizeram por mim (artigo)

"A Curiosidade premiada". Esse foi o primeiro livro que li, quando criança. Nele, a autora Fernanda Lopes de Almeida conta a história de Glorinha, uma menina tão curiosa que chega a incomodar os outros com suas perguntas. Mas ela quer aprender e logo todos descobrem que essa é uma ótima maneira de descobrir o mundo.

É por isso que sou jornalista. Porque quero descobrir o mundo e as pessoas. E tenho plena noção de que por maior experiência e conhecimento que eu acumule, sempre serei uma menininha que quer aprender. Ao ler, entrevistar pessoas, pesquisar assuntos e trabalhar em cima de uma matéria, história ou texto publicitário, estou estudando o mundo e compreendendo melhor essa loucura que é viver.
Vieram outros livros e me apaixonei por Machado de Assis na escola. Sua narrativa até hoje é minha preferida. A de contar uma história ora como quem descreve, ora como quem diz o que sente num bate-papo, convocando o leitor a conversar. Me apaixonei também pela poesia de Cecília Meireles. Porém, apenas mais tarde descobri que nem sempre tenho que me restringir a "Ou isso, ou aquilo" para ser feliz. Posso degustar isso, aquilo e mais um pouco, para depois botar tudo na "Bolsa Amarela" da Lygia Bojunga. Obrigada, Cecília. Foi pela poesia que entrei nessa vida de escritora. Obrigada, Vinícius. Obrigada, Drummond e Quintana.

Quando a escola me trouxe as páginas de "Para gostar de ler", eu já tinha sido conquistada, mas conheci os contos, as crônicas, a lambreta e a velhinha de Paulo Mendes Campos. Longe dos quadros negros do colégio Santa Úrsula e das queridas professoras Lucy e Maria, ingressei no mundo encantado da literatura pelas palavras de Érico Veríssimo, outra paixão. Deixei de ser a inocente "Clarissa" e vi que teria que buscar eternamente a "Música ao longe", para conquistar e manter meu "Lugar ao sol".

Vieram então Sidneys Sheldons, Agatha Christies, Sherlock Holmes. Mergulhei em "Cem anos de solidão" feliz com Gabriel García Marques. Aprendi com "A revolução dos bichos", "1984", "A ilha", todos os robôs de Isaac Asimov e tantos outros. Descobri como Carlos Heitor Cony pode me fazer feliz. E então conheci os dois homens da minha vida: Nelson Rodrigues e Charles Bukowski. Foram eles que despertaram em mim a certeza de que não poderia mais adiar. Não conseguiria mais ser feliz sem fazer literatura. Sobretudo Bukowski, que me fez perceber que não podia me contentar apenas em usar minha criatividade para vender as idéias e conceitos alheios.

Foi primordial o exemplo de um amigo escritor, que muitos consideram pedante. Pim é meio excludente pro meu gosto sim, chegando a ser radical em alguns casos. Mas muitas vezes esse pretenso nariz em pé vem mais por insegurança e medo da exposição do que por certeza de sua "superioridade". Mas foi importante vê-lo, de perto, mostrar-se indiferente à cobrança absurda e desumana de uma chefe em comum. E, sobretudo, perceber que, diante de todos os sonhos e possibilidades que a grande empresa nos concedia, não se poderia deixar nada apagar ou fazer dormir a nossa verdadeira arte.

Obrigada a todos vocês, caros amigos. Ao libertário Cairo Trindade, meu professor de literatura. Aos meus ex-revisores e amigos queridos, Marcial Renato e Alexandre Almeida Santos, que continuam a me ensinar com sua sapiência, dignidade, delicadeza e exemplo de vida. E obrigada também a todos aqueles que me fizeram sofrer por questões amorosas, a começar pelo príncipe encantado escolar Marco Antônio. Não fossem eles, não sei se começaria a chorar minha poesia no papel. Agradeço também aos preconceituosos, egoístas e pessoas ridículas que me fizeram ver que a melhor maneira de encará-los é observá-los de olhos bem abertos e ouvidos atentos. Guardar tudo, para depois correr para o computador e escrever. E assim me lembrar para sempre de como não ser na vida. Obrigada, pai, mãe e marido, que me ensinaram e continuam a me ensinar a como ser na vida.

Quem sabe um dia alguém vai me agradecer também?