sexta-feira, 14 de novembro de 2008

A síndrome do legume (artigo)

Você já ouviu falar da síndrome do legume? Não, não se trata de uma doença rara causada por alimentos infectados. Esse é o nome que eu uso para designar um comportamento tipicamente infantil, repetido por muita gente durante outras fases da vida. É aquele velho diálogo entre a mãe e seu filho:
- Come o chuchu, fulaninho.
- Não.
- Você precisa comer legumes para crescer forte, meu filho.
- Eu não gosto de legumes.
- Ah é? E desde quando você comeu algum legume na sua vida, fulano?
- Desde nunca. Mas eu não gosto de legume e pronto!

Ok, não precisa se envergonhar por já ter tido esse tipo de diálogo com sua mãe, algum dia. Ter essa atitude durante a infância não faz de você um portador da síndrome do legume. Isso acontece com quem repete o comportamento pela vida afora. Como aquela beltrana, a quem a sicrana convidou para ir ao cinema, num determinado dia:
- Vamos assistir a esse filme aqui, ó. É uma fábula francesa sobre...
- Eu não gosto de filmes franceses.
- Ah tá... Não sabia. Mas qual filme francês você já assistiu?

O mesmo acontece no campo da literatura:
- Amiga, estou lendo um livro do Érico Veríssimo que você vai amar!
- Ah não, não... Eu não gosto de literatura nacional.
- Como assim, não gosta? Que autores brasileiros você já leu?
- Aqueles livros da escola, ora bolas. São todos muito chatos...

E a coisa vai piorando...
- Cara, preciso te mostrar uma música irada. É de um compositor novo. Um sambinha contagiante!
- Que isso, mané? Tá me estranhando? Desde quando existe samba que preste?

Bom, nem preciso dizer que o amigo do mané nunca ouviu um samba na vida dele, não é? A essa altura, acho que você já entendeu como funcionam esses diálogos. E eu quero que fique claro que eu não estou aqui pra condenar ninguém. Afinal, tudo isso poderia se tratar apenas de uns preconceitos bobos, inocentes. Os fulanos, beltranas e manés têm todo o direito do mundo de não quererem conhecer os legumes da vida e viverem suas pacatas vidinhas com medo do desconhecido.

O problema é que essa síndrome não pára por aí. E fica perigosa quando sai do campo dos gostos superficiais e passa pro campo do gostar ou não de pessoas. Que se transforma em acreditar ou não em pessoas, votar ou não em alguém...

É o cara que diz:
- Não respeito quem mora na Barra.
- Não levo a sério quem gosta de funk.
- Não perco meu tempo com vegetarianos.
- Não discuto com quem vota em tucanos.
- Não dou o meu voto para um negro.
- Não faço amizades com gays.
- Não namoro mulheres fáceis.
- Não contrato mulheres com filhos.
- Não quero minha filha saindo com pobre.

São tantos os "nãos" que fico até com medo de ter esquecido algum importante. Eu, por exemplo, convivo com tantos desses infectados... Quer saber? Não vou mais remar contra a maré. Também tenho o meu "não". A partir de agora, está decidido: quero distância de quem tem síndrome do legume. E tenho dito!

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Dias de sol (crônica ou prosa poética?)

Lembro-me dos domingos na praia. Picolé gelado, biscoito Globo, matte Leão de garrafão. Lembro-me de tardes inteiras naquele bar da Avenida Atlântica. Nosso amigo garçom sempre com um sorriso no rosto. Qual era mesmo o nome dele? Lembro-me de suas sardas, da cara de ruivo. Lembro-me de sua gentileza, mas o nome...

Enquanto nossos pais entornavam o chope, nós brincávamos subindo em árvores. Em uma árvore, para ser mais específica. E assim, aquele pequeno pedaço de esquina parecia do tamanho do mundo. Tamanha era a gama de brincadeiras diferentes que inventávamos para nos entreter.
Lembro-me também que quando não tinha praia, a gente saía para almoçar fora. Programa sagrado. E a minha escolha era sempre a mesma. Depois de me esbaldar no couvert do La Mole, ainda encarava um filet à parmegiana com batata frita inteirinho. E eu comia tudo. Ao contrário de hoje.

Hoje não como mais batata frita porque me dói o estômago. Não encaro um prato inteiro de restaurante também por causa do estômago. E por causa das calorias, diga-se de passagem. Couvert seguido de um prato inteiro? Nem pensar! Hoje também não brinco na esquina, porque não sou mais criança. Mas se eu quisesse, também não poderia, porque onde moro não tem esquinas. Só retornos pra carros.

Não vou mais à praia, porque acordo tarde. E porque meu marido não admite não almoçar cedo. O legal de ir à praia aos domingos era exatamente a não obrigatoriedade de se almoçar. E a obrigatoriedade de beliscar coisinhas gostosas. Batata-frita, pizza, mignon com cebola. Hummm... O nosso amigo garçom já até sabia o que queríamos. Qual era mesmo o nome dele?

O mais legal de tudo era que não programávamos nada. Deixávamos a vida nos levar. E, no caso dos nosso pais, era o chope quem os levava mesmo. Só tinha uma coisa certa: todo sábado e domingo estaríamos lá. Depois? Não interessa! O bom era o durante.

Ah! Lembrei! O nome do garçom era felicidade. E meu nome é saudade. Muita saudade...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Por que falar de sexo ainda choca as pessoas? (artigo)

Escrever é mesmo muito bom. Por vários motivos. Primeiro, porque acaba sendo uma maneira de se conhecer melhor. Uma espécie de auto-análise. Segundo, porque é mesmo muito gratificante saber que suas palavras emocionaram ou ajudaram alguém a ser mais feliz. E, em terceiro lugar: é divertidíssimo reparar a curiosidade alheia sobre o quê da sua escrita efetivamente aconteceu na sua vida e o que é apenas ficção. E é exatamente sobre isso que quero falar.

Antes de tudo, preciso confessar. Escrever é altamente libertador. Porque no poema, conto, crônica, artigo ou romance, você pode fazer tudo o que sempre teve vontade, mas nunca teve coragem de fazer. Você pode ser o que der na telha, sem medo da reação alheia. E esse é um dos pilares fundamentais do bom escritor. Não se pode ter medo do que os outros vão pensar. Já basta vivermos assim, sempre guiados pelas expectativas alheias. E não venha você me dizer que é exceção! Afinal, quem é que nunca fez algo para ter a aprovação dos pais? Quem é que nunca mudou alguma coisa apenas para agradar o ser amado? Quem é que nunca sufocou vontades e verdades internas para ser aceito, seja na escola, sociedade, trabalho ou família? É por isso que digo para quem pensava que me conhecia e que levou um susto ao conhecer minha escrita: sou muito mais o que deixo transparecer naquilo que escrevo do que o que pareço ser no trato pessoal.

E é exatamente aí que entra a questão do erotismo, tão presente nos meus textos. É muito engraçado reparar como, em pleno século XXI, como as pessoas são hipócritas. Alguns comentam: “Nossa, você está cada vez mais ousada!” Claro, pensar em sexo o tempo todo e fazer sexo à vontade não é ser ousado, mas transformar isso em poesia, conto ou crônica é impressionante, uma ousadia só.

Outros fazem cara de santos e comentam: “Nossa, nessa ela pegou pesado. Isso não é nem erotismo e sim pornografia.” E, no entanto, são esses os mesmos que adoram contar piadas altamente pornográficas, pra não dizer piadas de baixo calão, baixaria mesmo. Há ainda outros que se dizem chocados. Para quem eu respondo: sexo não é chocante, chocante é a maldade e o veneno que certas pessoas destilam diante de terceiros na vida real. Isso sim é chocante! Repetindo Larry Flynt no filme “O Povo contra Larry Flynt”, chocante são as atrocidades cometidas em nome da religião, em nome da soberania nacional e até em nome do amor. Chocante é a guerra.

Sexo não deveria chocar ninguém. Pelo contrário. Acho até que, se é que já não fizeram, deveriam fazer uma pesquisa de forma a finalmente comprovar uma verdade universal. Quem está sexualmente satisfeito comete menos maldades. Está mais feliz e por isso não inveja a felicidade alheia. Quem é feliz não se incomoda com a felicidade alheia, não precisa extravasar sua infelicidade agredindo ninguém. Vocês já repararam como tem gente que, tal qual vilão de novela, parece gozar quando maltrata alguém? Aquela “amiga” invejosa, aquele chefe tirano, aquela sogra implicante, aquela ex-mulher frustrada... Quantas são as pessoas que cometem maldades, sobre as quais a sabedoria popular sempre conclui: “Não liga não. Isso é falta de pica” Ou ainda: “Essa daí é uma mal-amada.” Ou: “Esse daí é um corno!”.

Quem é amado, quem deseja e é desejado, não perde tempo tentanto fazer o outro infeliz. E o sexo é parte fundamental nesse processo. Se todos literalmente gozassem a alegria de amarem e serem correspondidos, haveria muito menos guerras, muito menos tristeza no mundo. Mas não, as pessoas ainda se chocam ao ler poesia erótica, ao ler um conto “pornográfico”. Quer dizer, isso é o que elas admitem, na frente dos outros! Eu não duvido nada que são justamente essas pessoas que se dizem chocadas, as minhas mais fiéis leitoras. E já até imagino-as esperando pacientemente pelo momento em que ficarão sozinhas em casa. Quando elas correrão para o computador e finalmente poderão ler e reler com calma todas aquelas histórias calientes que tanto as chocaram. E assim irão suspirar, pensando consigo próprias: “como eu gostaria de ter feito isso tudo que está escrito!” Ou ainda: “Que saudade da época em que eu ainda fazia isso...”

É por isso que eu acabo esse texto com uma recomendação: não percam seu tempo se chocando. Leiam, leiam muito sobre sexo, mas não se esqueçam de aproveitarem a leitura como inspiração para a vida real. E, enfim, pratiquem. Nada mais saudável do que gozar a felicidade plena.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Alice no país das maravilhas (conto erótico)

Alice já tinha 42 anos e nunca havia aproveitado tanto uma transa como fazia com essa. Na primeira vez com Rafael, o deixou gozar rapidinho, mas, a partir da segunda, ele ia ficando cada vez melhor. Fazia tudo o que ela pedia. E tinha uma disposição invejável. No entanto, o melhor de tudo era a postura dele. Queria agradar. Se preocupava com ela. Ansiava por aprender e fazer tudo bem-feito. Alice se sentia no paraíso!

- Agora, vamos brincar com a sua língua – E lá foi o amante se lambuzar no seu grelo, seus lábios, sua cavidade molhada e sedenta daquele homem irresistível. O gozo não tardou a jorrar - tanto lá, como cá - e juntos eles foram para a banheira. Relaxaram um pouco e se amaram mais uma vez. Depois, tomaram uma ducha e se vestiram.

Ela pagou a conta, pegou o carro e deixou o rapaz no colégio. Estava na hora da aula de matemática. Dia de prova. Como Alice já sabia a tabuada de cor, não demorou muito para fazer as contas. Rafael fora seu primeiro virgem, mas essa experiência não poderia se multiplicar. Agora que ele fora iniciado na arte, certamente procuraria alguém mais jovem para satisfazê-lo. “Bom, pelo menos realizei um desejo. E fiz uma boa ação”, concluiu Alice.

Na semana seguinte, porém, não resistiu. Voltou para a porta daquela mesma escola e observou longamente cada um dos amiguinhos de Rafael. Precisava arrumar uma nova diversão.

sábado, 1 de novembro de 2008

Xô prisão de ventre! (artigo)

Outro dia li na Veja Rio uma frase muito interessante sobre o publicitário Nizan Guanaes. Que ele não fala mal de ninguém porque acredita que a energia negativa sempre volta para quem desperdiça seu tempo falando mal de uma pessoa qualquer. A princípio, achei aquilo bastante congruente. Também acredito que não é preciso nem falar, basta pensar. Ter pensamentos negativos sobre quem quer que seja faz mal e ponto final. Prejudica a própria pessoa que está pensando. Então eu pensei: como adoraria ter a capacidade de nunca falar mal de ninguém! Nunca pensar mal de ninguém... Será que isso é possível? Nesse momento, lembrei de conhecidos meus que não falam mal de quase ninguém... Os invejei. Sinceramente, os invejei. Depois, rapidamente parei de invejá-los. Claro! Esses tais amigos são pessoas delicadas, ponderadas, sensatas e discretas, no entanto, quando explodem, parecem que vão destruir tudo o que vêem pela frente. Foi aí que concluí: eles podem até não falar mal de ninguém, mas que eles pensam, pensam. Se pensam! Invariavelmente sentem raiva e deixam sua paz interna ser afetada por sentimentos ruins em relação a pessoas que os fazem mal. Eles são seres humanos, ora bolas!

E foi exatamente nesse momento que cheguei a uma importante conclusão: quem tenta negar o tal sentimento negativo e não joga ele pra fora acaba levando aquela energia pra dentro. Lá dentro, a maldita se junta a outros pensamentos ruins, depois a mais outros e, de repente, das duas, uma: ou a pessoa explode quando cai aquela gotinha d'água e com isso faz uma besteira, ou a pessoa somatiza tudo e desenvolve uma doença. E, após chegar a essa conclusão, me veio uma idéia pra lá de nojenta, mas que funciona como uma perfeita metáfora. Sabe aquela dor de barriga que te faz ir correndo para o banheiro? E aquela vontade de esvaziar a bexiga que chega a doer? Nojentas ou não, são coisas inevitáveis. Todo mundo tem. Quem é que não sente um prazer e um alívio danados quando essas coisas saem do próprio corpo? Eu pelo menos adoro. Odeio prisão de ventre. Por isso, quando alguém disser que eu não posso falar mal de alguém que me fez mal, que eu sou fraca por me deixar afetar, que tenho que ser blasé, etc etc, responderei com apenas uma só frase. Prefiro ter diarréia do que viver barriguda com prisão de ventre! Se é que vocês me entendem...